sexta-feira, 14 de maio de 2010

HÖRNER, Erik. Guerra entre pares: a “Revolução Liberal” em São Paulo, 1838-1844

A resenha crítica a seguir foi desenvolvida no 1º semestre de 2008 como requisito parcial para a conclusão da disciplina História e historiografia: tendências contemporâneas, sob orientação da Professora Dra. Maria Helena Rolim Capelato.
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A guerra ocorreu entre pares que, como na dança, são semelhantes, mas não são iguais. Pretendiam sim conduzir o outro, ou melhor, os outros, porém a discordância era fruto das diferentes concepções de Estado e participação no Governo como forma de defender seus interesses econômicos, base de sustentação dos grupos políticos (...).Como fica evidente, este estudo está longe de ser conclusivo. Ao contrário, espera-se que estas ponderações, proposições e reflexões levem a outras pesquisas (...) de modo a preencher as lacunas que insistentemente permanecem abertas.
Erik Hörner
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Erik Hörner cursou História na Universidade de São Paulo entre 1999 e 2002, tendo concluído seu mestrado em 2005, com a dissertação objeto da presente resenha. Atualmente realiza o seu doutoramento (titulo provisório: “Relações de Força e Guerra de Interesses”), sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e orientação da Professora Cecília Helena L. de Salles Oliveira.


Hörner busca, em sua dissertação, compor um painel das idéias e argumentos defendidos ao longo dos 160 anos que sucederam à Revolução Liberal de 1842, ocorrida em São Paulo, confrontando-os, a fim de construir uma interpretação renovada acerca do Estado imperial.


Segue a metodologia proposta por Carlos Alberto Vesentini, interessado em saber quando o fato se transforma em interpretação, apontando o perigo da análise que se limita à teia dos fatos e das interpretações, desapegada dos argumentos dos protagonistas e direcionando o conhecimento do passado. Sua abordagem permite tornar mais evidente e, até certo ponto, recuperar o processo de rememoração do tema, a partir dos variados enfoques que dele deram conta.


Neste sentido é que dirige suas atenções, de forma a problematizar a forma pela qual a historiografia tentou estabelecer diferentes naturezas aos acontecimentos, ora tratando-os como “rebelião”, “sedição”, “movimento”, ou “revolução”.


E, devido à sua opção metodológica, busca, primeiramente, a acepção da palavra “Revolução”: nos documentos políticos da época, nos relatos do Cônego José Antonio Marinho, de 1844, no dicionário de Antonio Moraes e Silva, de 1877, no Código Criminal de 1830, em Paulo Pereira de Castro, Gianfranco Pasquino, Hannah Arendt, Lawrence Stone, (sobre Chalmers Johnson), e em Ilmar Mattos.


Considerando-as inadequadas, prefere abordar “revolução” como um termo em aberto, a ser visto mais como uma proposta de análise do que como uma definição, o que implica na consciência de que os argumentos, ao atravessarem as gerações, trazem o perigo de se transformarem em fatos que apenas aguardam pelo momento de serem observados – como se pudessem existir antes dos próprios historiadores que os abordaram.


Hörner se vale, ainda, de Ecléa Bosi: um grupo que trabalha em conjunto organiza esquemas de narração/interpretação dos fatos, criando “universos de discurso e de significado”, base a uma visão consagrada dos acontecimentos. Ao historiador cabe colocar, como uma das premissas de seu trabalho, a consciência dos perigos que envolvem as consagrações, trazendo à superfície os universos discursivos.


Para colocar em prática suas premissas metodológicas, Hörner busca os olhares contemporâneos à Revolução, aqueles escritos depois de alguns anos da anistia de 1844, os olhares centenários, em sua maioria, confeccionados pelo grupo ligado ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHG-SP), e as perspectivas recentes, dissolvidas sobre a formação do Estado nacional. Fazendo isso, localiza a teia ou universo de significado que acabou por dar base a uma visão consagrada da Revolução de 1842.


Erik Hörner analisou os debates, travados no âmbito da Assembléia paulista, sobretudo a respeito do projeto do grupo ligado a Rafael Tobias de Aguiar sobre a criação de um Banco Provincial, que nunca seria colocado em funcionamento, devido às articulações do grupo conservador.


Trata-se, sobretudo, de uma estratégia eficiente de análise, uma vez que, conforme recorda Paulo Pereira de Castro, este é um momento de rearticulações, o início da formação dos futuros partidos das décadas de 1840 e 1850. Assim, os grupos eram conhecidos majoritariamente por “Partido da maioria” e “Partido da minoria”, contraste evidenciado em questões polêmicas, como a do Banco, que polarizavam os elementos a um ou outro lado, tornando mais visível o contorno de uma teia específica de interesses.
Ainda no plano da análise discursiva, observa que, sem taquígrafos, não havia a prática da transcrição das falas integrais. Da mesma forma, dos projetos constam somente os artigos discutidos e as atas não tinham regras formais de confecção: eram redigidas por um deputado, sendo lidas e aprovadas nas sessões subseqüentes (Regimento da Assembléia Provincial de São Paulo definido pela Lei nº 23 de 12 de fevereiro de 1836).
Raramente se evidenciava um debate político para além da rotina parlamentar. Um dos “momentos emblemáticos” de disputa teria sido a discussão sobre o Banco, que, por sua vez, discernia um projeto político liberal voltado ao uso do saldo dos cofres públicos provinciais na própria Província, mediante uma política de créditos.


Como os jornais do período eram veículos do debate político, uma “continuação da tribuna”, o pesquisador passa à análise d’“A Phenix”, folha conservadora. Será neste jornal especificamente que encontrará, em edições de 1839, menções ao Partido Paulista como aquele da “fortuna collosá”, que, a pretexto de progressismo, cansava as forças do “nascente Estado em uma marcha accelerada”.


Por meio da atuação na Assembléia Provincial e da insistência do jornal A Phenix em atacá-los, pode-se considerar Vergueiro, Paula Souza e Tobias de Aguiar como o núcleo de um grupo político. Próximos a eles estavam principalmente Pe. Dr. Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, tido como redator d’O Observador Paulistano, Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos, (...), Dr. Manoel Dias de Toledo e Francisco Álvares Machado de Vasconcellos (...) refiro-me com mais freqüência ao periódico A Phenix, crítico e combatente incansável do grupo que pretendo delimitar. O que ocorre é que jornais como O Observador Paulistano não foram conservados na mesma quantidade que seu opositor




Hörner observa que A Phenix denominava o grupo conservador, ligado a José Pacheco, de “Partido da Ordem” e que O Observador Paulistano chamava os liberais de “Partido Paulista”. A análise que deriva é prolífica em considerações:


(...) o partido de Rafael Tobias de Aguiar, Vergueiro, Paula Souza e outros, seria propagador da anarquia, não-constitucional e afoito. Veja que é possível trocar estas características por adjetivos pessoais, como rebelde, infenso às regras e impaciente. Não seria o suficiente para caracterizar um jovem? (...) surgidos efetivamente na cena política da Corte com as conturbações de 1831, seu poder ainda não estaria consolidado ou não possuía uma representatividade proporcional a sua fortuna.




Uma elite nova, com enorme poder econômico, mas com formação provinciana. Neste sentido apontam as fontes estudadas por Hörner: em carta publicada neste jornal, Rafael Tobias de Aguiar “é descrito como burro, limitado intelectualmente, mas rico e poderoso”. Mesmo Gabriel Rodrigues dos Santos, bacharel pelo Curso Jurídico de São Paulo, era visto como “estudante preguiçoso e ignorante”.[1]


Hörner se indaga se não haveria, entre os principais quadros liberais, menos formados em direito do que entre os conservadores e, portanto, menos acesso político em um quadro de privilégio aos bacharéis:


(...) apesar de Vergueiro ter estudado em Coimbra, o mesmo não aconteceu com os demais (...). Sendo a grande maioria destes empregos preenchida por bacharéis, é compreensível que indivíduos vindos de todas as províncias do Império para estudar na academia de São Paulo fixassem residência em São Paulo depois de formados e buscassem inserção na cena local (...) os debates da época levam a crer que os bacharéis ‘não-paulistas’ acabavam ingressando com mais freqüência no Partido da Ordem. Na verdade, deve-se investigar se no Partido Paulista havia poucos bacharéis de outras províncias, ou, simplesmente, havia poucos bacharéis. É provável que devido a uma riqueza recente e a uma formação provinciana, os bacharéis formassem um contingente relativamente pequeno entre os partidários de Rafael Tobias de Aguiar, ao menos entre os políticos mais velhos.


Trata-se de uma questão em aberto, a ser pesquisada e de enorme importância para o estudo da construção da nação brasileira, uma vez que, se comprovada a escassez de bacharéis entre os liberais, seria possível se erguer a hipótese de que eles teriam sido alijados do novo arranjo institucional pelas reformas do início da década de 1840 e, contra este quadro específico, seguido da dissolução da Assembléia, é que teriam se rebelado em 1842.


A trama de interesses e de embates políticos que envolveu a Província de São Paulo no recorte cronológico compreendido entre os anos de 1838 e 1842, polarizando o cenário político em torno do Partido Paulista e do Partido da Ordem, conduzindo-os a pegarem em armas, é, desta forma, inserida em uma abordagem metodológica que indaga sobre a construção de discursos e práticas políticas inferidas a partir tanto dos anais da Assembléia paulista como da imprensa da época, com a intenção de compreender a construção de seus respectivos projetos políticos.






[1] Idem, p. 101. “O mesmo Gabriel Rodrigues dos Santos, alvo constante de chacotas, teria dito na Corte a um senhor não declarado: ‘Sinhô dotó!! Você-missé tem algum livro, que dé pra mim lé?’ (...) O Deputado Antônio Manuel de Campos Mello (...) teria proferido pelzistir, peltencer, aleplesentar, oldenar, folma, detelminação, entre outras (...) O vocabulário pobre atribuído a esses políticos (...) esse “português de negro”, possuía o claro intuito de desqualificar o adversário. Contudo, reforça a idéia da origem não-tradicional dos integrantes desse grupo.


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